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XVIII Semana Jurídica do Curso de Direito da Universidade do Estado de Mato Grosso ? Campus de Cáceres.
CARTA-CONVITE
XVIII Semana Jurídica do Curso de Direito da Universidade do Estado de Mato Grosso ? Campus de Cáceres.
22/10/2014 07:58:06
por José Ricardo Menacho Tramarin de Oliveira Carvalho

CARTA-CONVITE

 

Direito, justiça e sociedade: vamos participar desse debate?

Para além das salas de aulas, dos muros físicos ou imaginários das Universidades, um conjunto de realidades se desponta no horizonte. Longe de ser de uma única cor, o meio no qual estamos inseridos mais se parece um caleidoscópio multicolorido. Há movimento, agitação, gritos, sussurros, sentimentos, valores, ideias, gestos, enfim, há vidas, nas suas mais diversas formas de expressão. Lá fora existe um mundo que se apaixona, luta, trabalha, clama por mudanças. Lá fora existe um mundo que quer ser visto, notado, que não quer passar despercebido. Lá fora existe um mundo construído e habitado por SERES HUMANOS.

 

Uma das primeiras lições sobre o mundo jurídico que aprendemos nos bancos da Faculdade é a verificação da sua direta correspondência com a sociedade. Filósofos e doutrinadores (os estudiosos das ciências jurídicas) são ressuscitados para fundamentar aquela constatação; costuma-se dizer em alto e bom som que o homem é um ser gregário, reúne-se, ajunta-se, passando a viver e conviver em núcleos que congregam pessoas ligadas pelos mais distintos laços, como religiosos, afetivos ou de parentesco (formando famílias, grupos, tribos, povoados, cidades... sem impingir aqui qualquer anacronismo ou linearidade histórica nessa reflexão), e para evitar interferências destrutivas de uns em detrimento de outros é que nasce o Direito, com o fim de reger o HOMEM SOCIAL.

 

Ainda nas aulas introdutórias, na busca pela compreensão do fenômeno jurídico, não podemos nos esquecer das menções quase oficiais sobre o clássico dos clássicos, Antígona de Sófocles, usado para diferenciar o Direito Natural do Direito Positivo, e também a tradicional utilização da metáfora de Robinson Crusoè, no intuito de se demonstrar a essência do Direito.

 

Tudo, aos poucos, vai se aclarando, ou pelo menos assim acreditamos. Encontro a encontro vamos compreendendo não só a razão de ser do que estamos estudando, mas a sua concretização, digamos, prática em nosso cotidiano. Os fatos rotineiros, considerados já sem

muita importância para os nossos olhos, convertem-se em casos a serem analisados e refletidos nos debates e discussões no ambiente acadêmico, ademais de nos tornarmos paulatinamente alvos das mais mirabolantes perguntas de familiares, amigos e colegas.

 

Ocorre que, infelizmente, com o passar dos anos da Graduação, no itinerário do primeiro ao décimo semestre, por motivações que ainda precisamos refletir com maior vagar, vamos nos atocaiando em salas e gabinetes, dentro de redomas ou nos acocorando em altas torres de marfim, esquecendo-nos não só daquilo que somos (pois da sociedade viemos e para ela voltaremos), mas da própria essência daquilo que aprendemos no limiar de nossas carreiras jurídicas. Acabamos por elitizar aquilo que não era para ser elitizado, restringir aquilo que não era para ser restringido e desnaturar aquilo que não era para ser desnaturado; o Direito, nesse sentido, se desconecta de seu SER, sendo guiado a partir de então por paradigmas de JUSTIÇA muito peculiares, pautados, sobretudo, numa falsa ideia da meritocracia pela meritocracia, que prestigia os já prestigiados, atendendo consequentemente não aos que GEMEM, não aos que GRITAM, não aos que na MISÉRIA se situam, não aos EXCLUÍDOS, mas tão somente os já empoderados.

 

Cegos pelas imposições mercadológicas e pela antiga “lei dos resultados” (que nos acompanha e dita nossos comportamentos desde o início do Ensino Fundamental), desprestigiamos quaisquer discussões ou reflexões sobre o fenômeno jurídico e optamos (com muito apoio) pelo estudo da técnica pela técnica, numa nítida lógica de acumulação de informações, como se nossas mentes fossem grandes depósitos vazios prontos para o empilhamento de conteúdos.

 

Ainda vale ressaltar que diante do quadro traçado, não há espaço para a percepção da diversidade, esta, na verdade, é engolida, desprezada, ou quando muito TOLERADA, sendo que no caso da TOLERÂNCIA, é comum a manifestação de discursos puramente retóricos, que servem apenas para mascarar as desigualdades que nos assombram (sem nos causar espanto, mesmo que pareça algo paradoxal). Num crescente, encerrados em outra dimensão, em um campo mais academicista no qual os sentidos não têm voz e vez, ignoramos o OUTRO e passamos a enxergar uma única REALIDADE e não REALIDADES; padrões e valores são eleitos, naturalizados e universalizados, não há qualquer interesse pela compreensão da pluralidade assim como se revela.

 

É momento de reaproximação. É momento de reconciliação. É momento de promovermos diálogos mais intensos e constantes entre a sociedade e o Direito, a fim de se alcançar a tão propagada e midiatizada (para não dizermos banalizada) JUSTIÇA. É importante frisarmos que o que se busca não é uma justiça de poucos para poucos, não é uma justiça que parte da ideia de que os sujeitos indistintamente estão em pé de igualdade de oportunidades e condições, enquanto não estão, ao contrário, trata-se de uma justiça de todos para todos, uma justiça que guarda em si o respeito às singularidades de cada uma das identidades existentes, ainda que essa empreitada diante da conjuntura atual seja um sonho mais ousado que o de Ícaro e suas asas rumo ao Astro Rei.

 

É imprescindível que nunca nos olvidemos de que o Direito como um fenômeno social deve conviver e ser impulsionado pela DIVERSIDADE, pois é irreal partirmos do pressuposto de que as ideias, as garantias e os direitos caminham tranquilamente, sem obstáculos, desafios ou conflitos, numa mesma direção a partir de um único entendimento ou perspectiva; lembremo-nos que a factibilidade do Direito está em sua inconstância, sendo essa característica, quando não ocultada, uma das responsáveis pelo surgimento de novas tendências interpretativas principalmente no que concerne à proteção da dignidade humana.

 

Rompamos com a lei da inércia. Libertemos o Direito das amarras que nós mesmos contribuímos para fortalecer especialmente nas Faculdades. Promovamos o diálogo. Movimentemo-nos. Passo a passo, devagar ou rápido, acreditemos no trabalho das formigas. Lá fora existe um mundo.

 

Cáceres-MT, primavera, 2014.

José Ricardo Menacho Tramarin de Oliveira Carvalho

Prof. de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da UNEMAT

Mestrando em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade Federal do Paraná.

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